Artigo
COVID-19 E O ABANDONO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS
30/04/2020
- Fonte:
ESA/OABSP
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COVID-19 E O ABANDONO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS
Adalgisa Teresa Pereira Menezes Raite*
1. Pouco se sabe acerca da infecção dos animais de estimação pelo vírus Sars-CoV-2. Menos, ainda, são as descobertas sobre uma real transmissibilidade de cães e gatos para os seus humanos.
2. Ainda assim, um dos reflexos da pandemia provocada pela COVID-19 tem sido o abandono de animais domésticos, mesmo quando não há evidências de uma possível contaminação de humanos por meio de seus pets.
3. Não é de hoje que, principalmente, os gatos são vítimas da ignorância humana e apontados, irresponsavelmente, como transmissores de doenças. Dessa vez, não só as grávidas estão abandonando seus animais de animação por medo da contaminação, mas diversos tutores e tutoras temendo contrair a Covid-19.
ANIMAIS DOMÉSTICOS INFECTADOS
4. No dia 23 de abril, dois gatos domésticos testaram positivo para o Sars-CoV-21, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Outros felinos na Bélgica e em Hong Kong também teriam sido infectados2.
5. O Conselho Federal de Medicina Veterinária esclareceu em nota técnica que o coronavírus que comumente infecta cães e gatos não acomete os humanos. In verbis:
O SARS-CoV-1, causador da SARS, que emergiu em 2003, usa a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) como receptor [...], assim como o SARS-CoV-2 [...]. Essa proteína é expressa em células do trato respiratório e de outros tecidos, especialmente nos pulmões [...]. A identidade entre as sequências de aminoácidos da ACE2 humana [...], de felinos [...] e cães [...] é de 86% e 84% respectivamente. A ligação entre o receptor celular e a proteína de acoplamento viral, chamada de proteína de espícula no caso dos coronavírus, se dá principalmente por meio de 5 aminoácidos. Desses 5 aminoácidos, 2 são diferentes nos gatos [...] e cães, quando comparados aos humanos. Entretanto, são aminoácidos com características bioquímicas similares que permitem inferir que o vírus reconheça a ACE2 desses animais [...]. Os ferrets tem os mesmo 5 aminoácidos que os gatos [...] e são passíveis de infecção por SARS-CoV-2 e de causar transmissão horizontal [...]. Em 2003 já havia sido demonstrado que ferrets e gatos podiam ser infectados com o SARS-CoV, o coronavirus causador da SARS, e apresentavam transmissão horizontal [...]. No entanto, não houve relatos de gatos sofrendo de maneira massiva de infecção respiratória grave, nem o relato da transmissão zoonótica da SARS3.
6. A nota técnica clarifica, também, que, embora tenhamos que “considerar com cuidado a possibilidade de que gatos possam ser infectados [...] Até o momento, não existem evidências de transmissão do coronavírus SARS-CoV-2 de gatos domésticos para humanos, com somente o inverso sendo referido. Sendo assim, não existe necessidade de medo ou pânico com relação aos gatos e cães desenvolverem ou transmitirem o coronavírus que infecta os humanos”4.
7. Inexistindo a confirmação de serem os animais domésticos vetores da Covid-19, o CFMV alertou que cães e gatos podem, entretanto, carregar o vírus em sua pelagem se seus tutores, já infectados, se descuidarem das medidas de higiene e mantiverem contatos diretos com seus animais, da forma que ora se transcreve:
O gato pode ser um sentinela e um hospedeiro terminal, refletindo o ambiente em que vive, não sendo ainda um transmissor confirmado do vírus para humanos. Os gatos e cães podem atuar como carreadores do vírus, com seu pelame atuando como fômite, e até podem, eventualmente, adquirir o agente viral se conviverem com um (ou mais) seres humanos infectados. Ou seja, humanos com sintomatologia suspeita de COVID-19 (ou com diagnóstico confirmado) devem se isolar de outras pessoas e dos gatos e cães e outros pets, minimizando a chance de infecção das pessoas e outros animais que estão ao redor. As demais medidas de contingenciamento passadas pelo ministério da saúde devem se manter ativas.
CRIME: MAUS TRATOS E ABANDONO DE ANIMAIS EM TEMPOS DE COVID-19
8. Entretanto, mesmo sem transmitir a doença, os animais estão sendo alvo de abandono por seus tutores, além de serem vítimas de maus tratos pelas ruas. Segundo sites de agências e ONGs especializadas, o número de casos vem aumentando no Brasil5 e no mundo6.
9. É importante frisar que, ainda que o animal doméstico seja um vetor de contaminação (o que não foi confirmado), o abandono de animais é crime federal disciplinado pelo art. 32, da Lei n. 9.605/98, sendo atribuída a pena de detenção de três meses a um ano, e multa7.
10. Importante citar que o bem jurídico que se pretende tutelar a partir da inclusão do artigo 32 na Lei 9.605/98 é a fauna brasileira silvestre, doméstica ou domesticada, nativa ou exótica.
11. Nesta seara, Levai ([2001], p. 27) ressalta, que o dispositivo 225, § 1º,VII da Constituição da República Federativa do Brasil:
ao vedar as práticas que submetam os animais à crueldade, traz em si um imperativo ético que reconhece o animal como ser vivente capaz de sofrer, e não como objeto ou recurso natural, permitindo-lhe assumir a condição de sujeito jurídico8.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
12. Apesar dos esclarecimentos da Organização Mundial da Saúde e de Conselhos de Veterinária espalhados pelo país, estes seres humanos que preferem abandonar e maltratar animais indefesos, sejam seus ou em situação de abandono, parecem que apenas se utilizam da realidade da pandemia para externar a falta de empatia que sempre tiveram pela causa animal.
13. Tais práticas não podem ser levadas adiante e isso independe de um cenário pandêmico ou da criação de centenas de normas visando penalizar práticas abusivas contra os animais.
14. O ano de 2020 ficará marcado por inúmeras consequências ainda impossíveis de serem mensuradas. Mas que seja marcado, acima de tudo, como um convite ao exercício do cuidado e o comprometimento com o bem-estar ao próximo seja ele humano ou não.
*Jornalista e Advogada Especializada em Direito Penal e Processual Penal.